sábado, 18 de setembro de 2010

A LENDA DO POÇO VERDE


Nos aluviões varzeanos
Ergueu-se uma cidade
Envolta de um poço d’água
Com muita serenidade
O seu povo ali vivia
Repleto de alegria
Sem pensar em vaidade

O seu nome Carnaubais
Vem de uma planta típica
Do nordeste brasileiro
De outras terras ela se estica
E nos vales potiguares
Encanta os nossos olhares
Entre os pés de oiticica

Canafistulas, marizeiros
Se rendem a sua beleza
Dos seus leques verdejantes
Feitos de vento e beleza
Um sopro feito de calma
É assim a sua palma
Aplaudindo a natureza

Do rouxinol no seu talo
Fazendo amor escondido
Do canarinho silvestre
Caçado feito bandido
Cantando não cobra nada
Numa gaiola malvada
Mostra seu canto sofrido

E assim os verdelins
Que aproveitam o toco
E até mesmo o gabiru
Que se esconde no oco
Nesta árvore hospitaleira
O gavião de peneira
Com suas garras de louco

Sem piedade atormenta
Feito o homem de latão
Que sem carne e piedade
Vive de matar canção
Nos pés de carnaubeira
Com as pedras da baladeira
Em cada tiro um canhão

E a maldade se alastra
Sobre a árvore da vida
Que dá nome a minha terra
Que dá nome a minha lida
- Eu me chamo Zé Vareiro
Morador do tabuleiro
Desde a infância querida

Ao meu pé de carnaúba
Que cuidei desde pequeno
Onde matei minha fome
Com seu fruto doce ameno
Do seu tronco eu mergulhava
No riacho me banhava
Fosse sol, fosse sereno

Cultuando a beleza
Das suas palmas saltitantes
Que aplaudem a passagem
Dos seus novos habitantes
Carnaubais, carnaubeira
Ó deslumbrante palmeira
Proteja as nossas vazantes

Purifique o nosso ar
Mostre a sua resistência
Viva mais duzentos anos
Eu peço até por clemência
- Meu pezinho de cuandu
Perto do Rio - Açu
Cresça com mais imponência

E suba até o infinito
Avisando ao criador
Seja a torre de babel
Eu te peço, por favor,
Diga a Deus lá no céu
Que apague o fogaréu
Acalme o nosso temor

Mande caí uma chuva
Que o fogo já se espalha
O pó é nossa riqueza
Que retiramos da palha
Eu farei a capelinha
A imagem da santinha
Se vencer esta batalha

E assim serei devoto
Da madre Santa Luzia
Se atender minha prece
Quando o sol raiar o dia
Cumprirei o prometido
E cada vez mais contido
Rezarei com alegria

- E assim o tal Barrão
O habitante primeiro
Abel Alberto Fonseca
Vendo o carnaubal inteiro
Com o fogo todo apagado
Disse: Fui abençoado
- Viva o meu estaleiro

Hoje faz mais de um século
Desse fato acontecido
Muito vale relembrar
Não é lenda sem sentido
Dezembro é mês de festa
E o amor que ainda nos resta
Não pode ser esquecido

A fé nos remete ao novo
Assim reza a nossa gente
Pedindo mais proteção
Do seu olhar reluzente
Ó minha santa rainha
Proteja a terra minha
Do olho gordo indecente

Proteja as carnaubeiras
Da serra da moto serra
O rio dos lixões imundos
Dai um basta na guerra
Na briga pelo poder
Ajuda o povo escolher
Que o teu olhar não erra

Palmeiral de tantas luas
Junto da minha manada
Leve agora sem demora
Num galope em disparada
Proteja-me nesta vida
E faz desta planta erguida
A minha casa adorada

Dela eu farei uma bica
Pra beber água de chuva
Das palhas chapéu de sol
Do caule sem uma curva
Cumeeira do ranchinho
Onde a noite de mansinho
Imitarei a saúva

Bolsa, esteira, surrão
E paul vitaminado
Onde cresce horta bonita
Num canteiro pendurado
Pés de cebola, coentro
Agora fique por dentro
Desse meu conto afiado

Essa história aconteceu
E a lua testemunhou
Alumiando o caminho
Depois que o mundo rodou
No juízo de mimoso
O jumento fabuloso
Com precisão relinchou:

E o amigo feirante
De longe sentiu o cheiro
Como era de vivente
Subindo ao tabuleiro
Batendo o casco no chão
Falou-me com precisão
Na sombra de um juazeiro

Está vendo aquela poça
De água branca limpinha
É o poço da lavagem
De uma santa rainha
Padroeira protetora
Da vila mais promissora
Desta nação ribeirinha

Por ali nascerão
Grandes celebridades
Viverão tão ali
Ilustres autoridades
Artistas e menestréis
Valorosos homens fiéis
Vindo de outras cidades

Rezadeiras e donzelas
Uma delas defensora
Das raízes culturais
A primeira professora
No ensino das vogais
Nos recantos mais rurais
Desta vila acolhedora

Com muita simplicidade
Plantarão os seus quintais
Roças de milho e batata
E imensos mangueirais
Sob os moinhos de vento
Tirarão o seu sustento
Até os dias finais

Da palha a sua riqueza
Do pó, da cera cozida
Das oficinas de charque
Da carne mais ressequida
Embarcada pro estrangeiro
Até que chegue um janeiro
No rosário a despedida

Quando vir a grande enchente
Pra sacudir o seu mastro
A cidade sumirá
Como foi em vinte e quatro
Sem ficar um pé de gente
O trovão mais estridente
O raio cortante astro

Em seu cruzeiro dolente
Castigado pelo vento
Descerá as enxurradas
Matando o nobre sustento
Milharais e roças belas
E as flores nas janelas
Regadas de sentimento

De deixar o lugarejo
O sobrado e seu poço
Pés de moleque, alfenim
Aquele doce, tão moço
Galopando em seu cavalo
Menino em cima dum talo
Brincando no alvoroço

E o berreiro dos bodes
Anunciará a cheia
Na arrumação da canoa
O Sangue corre na veia
Pressa pra salvar os trecos
Salvem-se uns cacarecos
Outros deixados na teia

O tempo não esperará
E as chuvas não cessarão
Só a arca de Noé
Pra salvar esta nação:
Ficará na sua história
E a força da palmatória
No rebolo da lição

E por fim esta cidade
A bela Santa Luzia
Tem os seus dias contatos
Contando só falta um dia
Amanhã de tarde cedo
O povo morto de medo
Viverão sua agonia

Quando assim eu pressenti
Que passava de um sonho
Tentei acordar não pude
Daquele sonho medonho
Quando ouvir alguém dizer
Vamos todos padecer
Do dia mais enfadonho

Acorde do pesadelo
O dia já está de fora
Tropeiro num perde a feira
Rumbora, rumbora agora
Vai Roxin lá na frente
Assume a sua patente
Que o povo não perde a hora

Acorde irmão do sono
Que a barra está se quebrando
A lua se pôs no céu
E o sol vem clareando
Depois das areias brancas
Montaremos as nossas bancas
Pra continuarmos sonhando

Depois que abri os olhos
Estava longe demais
Pra lá do barro vermelho
Já perto dos manguezais
Margeando sempre a praia
Da velha cela cangaia
Adentrei os Carnaubais
Terra que amo demais

*Este cordel é uma obra inédita - Homenagem à Carnaubais
Autor: Zelito Coringa –Compositor e Poeta – Potivarzeano de Carnaubais/RN

PARABÉNS! GRANDE MESTRE, GILBERTO FREIRE PELO BRILHANTE TRABALHO LITERÁRIO QUE VEM APRESENTANDO EM NOSSO VALE, RESGATANDO E ENALTECENDO VIDAS.
OBRIGADA POR FAZER PARTE DA NOSSA HISTÓRIA.


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