Para KUPFER (1995, p. 79), “... o processo de aprendizagem depende da
razão que motiva a busca de conhecimento”, ressaltando o porquê da sua
importância. Os alunos precisam ser provocados, para que sintam a necessidade
de aprender, e não os professores “despejarem” sobre suas cabeças noções que,
aparentemente, não lhes dizem respeito. A forma de apresentar o conteúdo,
portanto, pode agir em sentido contrário, provocando a falta de desejo de
aprender que seria, para os alunos, o distanciamento que se coloca entre o
conteúdo e a realidade de suas vidas. Quando o aluno não percebe de que modo o
conhecimento poderá ajudá-lo, como desejará algo que lhe parece inútil?
quinta-feira, 18 de julho de 2019
10 livros que todo professor e educador deve ler
Educar seres humanos é uma missão que
demanda empatia e aprendizado constante. Com o tempo, a sociedade se
transforma, e a educação precisa acompanhar o ritmo dessas mudanças para se
manter relevante.
Como sabemos que a leitura é um
ótimo instrumento de atualização,
listamos 10 importantes livros para professores. Essas obras trazem insights
enriquecedores acerca do dia a dia do educador e sua relação com o educando,
bem como seus desafios em relação à prática pedagógica.
Siga em frente para
uma boa dose de inspiração:
1. “Pedagogia da Autonomia”, de Paulo
Freire
Paulo Freire foi um
dos mais importantes educadores e pedagogos do século XX, sendo até hoje
considerado “patrono da educação brasileira”. Portanto, nada mais justo do que
começar por ele!
“Pedagogia da
Autonomia” é uma reflexão enriquecedora sobre o ato de ensinar. Aqui, são
levantados questionamentos sobre os papéis desempenhados por educadores e
alunos no processo de aprendizagem.
Freire se utilizou
de conceitos como ética, autonomia, curiosidade e capacidade crítica para
abordar o tema, e partiu dos seguintes princípios:
·
não há docência sem discência;
·
ensinar não é transferir conhecimento;
·
ensinar é uma especificidade humana.
2. “Quem Ama, Educa”, de Içami Tiba
Esta obra de Içami Tiba fala do papel fundamental que a família
desempenha na educação dos jovens, abordando questões como
diálogo, tecnologia, limites e valores. Para o autor, responsabilidade e
autonomia são conceitos que devem ser trabalhos juntos pelos pais e educadores.
O livro não é
focado na educação formal, aquela que acontece exclusivamente na escola, mas na
educação cidadã, que acontece a todo momento e em todos os lugares.
3. “A Organização do Currículo por
Projetos de Trabalho”, de Fernando Hernández e Montserrat Ventura
A partir da obra de
John Dewey, pedagogo estadounidense, os educadores Hernández e Ventura
questionam a organização tradicional dos currículos escolares e sua eficácia.
Para eles, todos os
conteúdos podem ser aprendidos com a elaboração de projetos coletivos, o que
evita que os alunos assumam um papel passivo na aprendizagem, levando-os a se
tornar responsáveis por ela, com o auxílio do professor.
Hernández ainda
aponta que trabalhar com projetos, em vez de manter as divisões clássicas entre
disciplinas, é apenas uma das formas de permitir a aprendizagem por meio da
interação. Há muitas outras.
4. “Educar na Esperança em Tempos de
Desencanto”, de Chico Alencar e Pablo Gentili
O historiador e
político brasileiro Chico Alencar se alia ao professor argentino Pablo Gentili
para refletir sobre a prática docente e seu significado na América Latina.
Os autores se
dedicam a analisar os desafios que a educação e os educadores enfrentam
atualmente, como desemprego e tecnologias excludentes, contrastando-as com
noções de cidadania e moralidade.
5. “A Alegria do Ensinar”, de Rubem
Alves
Rubem Alves foi um
psicanalista, educador e escritor brasileiro cujo legado engloba uma
multiplicidade de temas.
Nessa obra, com seu
olhar otimista, Alves defende que a educação tem um aspecto de imortalidade, já
que os alunos lembrarão das palavras dos professores, e, de geração em geração,
os ensinamentos sobreviverão. Trata-se de um livro enaltecedor da profissão e
de fácil leitura!
6. “Developing Minds”, de Arthur
Costa
Nesse livro, o
professor emérito da Universidade da Califórnia Arthur Costa se propõe a
refletir sobre as mudanças no cenário educacional ao longo dos anos,
especialmente em relação à tecnologia.
O livro também
aborda como a prática do ensino muda à medida que evolui nosso entendimento
acerca do cérebro humano e como ele aprende.
A obra ainda não
foi traduzida para o português, sendo inglês seu idioma original.
7. “Pais Brilhantes, Professores
Fascinantes”, de Augusto Cury
Augusto Cury é um
famoso psiquiatra e professor brasileiro, tendo inúmeras obras sobre
comportamento, inteligência e educação publicadas.
“Pais Brilhantes,
Professores Fascinantes” gira em todos dos hábitos saudáveis que tanto pais
quanto professores devem manter para educar crianças e jovens equilibrados.
Também traz técnicas pedagógicas e ideias que podem potencializar a
aprendizagem e a sociabilidade em qualquer ambiente.
O livro possui uma
versão destinada aos jovens: “Filhos Brilhantes, Alunos Fascinantes”.
8. “Epistemologia Genética”, de Jean
Piaget
Outro clássico da
pedagogia, escrito pelo biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget, para quem o
conhecimento era fruto de uma construção contínua que pode ser segmentada em 4
fases:
·
sensório-motor;
·
pré-operatório;
·
operatório concreto;
·
e operatório formal.
De fato, os estudos
de Piaget nessa área culminaram na criação de uma teoria do conhecimento,
explicada nessa obra de mesmo nome.
Esse livro ampliará
seus horizontes a respeito dos processos que possibilitam a aprendizagem.
9. “Maria Montessori”, de Hermann
Röhrs
Esse livro, que está em domínio público,
é apresentado pelo ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando
Haddad. Sua produção se deu em cooperação com a Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
A obra traz ensaios
sobre a vida da médica e pedagoga Maria Montessori, bem como alguns textos de
seu livro revolucionário Pedagogia Científica. Montessori foi uma defensora dos
direitos infantis e criou toda uma metodologia focada no aluno, transformando o
cenário educacional do século XX.
10. “Gramática da Fantasia”, de
Gianni Rodari
O escritor italiano Gianni Rodari
apresenta em sua obra ideias para estimular a criatividade e exemplos práticos
de como trabalhar a imaginação.
Todas as técnicas são fruto de sua experiência com a literatura infantil.
Não é um livro
focado na didática em si, mas em como utilizar histórias e narrativas para
exercitar a mente e dar-lhe instrumentos para que ela pense “fora da caixa”.
A prática didática é uma atividade ao
mesmo tempo nobre e desafiadora, já que a construção de conhecimento depende
da interação entre professores,
alunos e ambiente. Todas essas obras mostram que a leitura pode
e deve ser utilizada, portanto, como um instrumento de aperfeiçoamento e
reflexão.
Assim, é válido
conhecer o que os principais cientistas, filósofos e pedagogos que pesquisaram
sobre a educação têm a revelar sobre o assunto. Você já conhecia alguns desses
livros para professores? Compartilhe conosco suas impressões e nos conte como
eles influenciaram sua prática!
Sentindo-se
inspirado? Que tal compartilhar este post nas suas redes sociais e convidar
seus amigos para refletirem sobre a educação?
Vida de professor
Como elaborar provas que realmente ajudam na aprendizagem?
Você já analisou os
resultados obtidos pelos seus alunos? Embasar as suas ações em dados é
fundamental para a construção do conhecimento. Afinal,
é por meio dessas informações que você consegue saber como elaborar provas que
realmente ajudem no ensino-aprendizagem.
Apesar de boa parte
dos professores saberem disso, muitas vezes é difícil colocar essa ideia em
prática. A avaliação sempre foi um instrumento para categorizar os
estudantes e dividi-los entre os bons, os ruins e os medianos.
Com a tecnologia,
esse cenário mudou. Além do acesso aos dados ser maior, os docentes têm uma
chance maior de elaborar questões adequadas e parametrizadas de acordo com a
instituição. De quebra, elas permitem verificar o aprendizado dos estudantes e
contribuir com o conteúdo aplicado em sala de aula.
Por isso, neste
post vamos mostrar como é possível elaborar provas que ajudem na aprendizagem e
quais dicas ajudam a conquistar esse objetivo. Acompanhe as dicas!
Diversifique os tipos de avaliação utilizados
Em um processo de
avaliação não há certo ou errado. Porém, cada situação contém elementos mais
adequados, que permitem obter mais informações. Por isso, o ideal é combinar os
diferentes tipos e adaptá-los às necessidades da turma e aos seus objetivos
como educador.
Entre eles estão:
apresentação de trabalhos, aplicação de provas objetivas e discursivas,
realização de exercícios, execução de atividades em equipe e mais. Ao adotar
essa prática, você tem a chance de implementar uma avaliação contínua e
diversificada, que foca a formação permanente dos alunos.
É isso que prega a
metodologia Team Based Learning (TBL). Utilizada em
várias instituições de ensino —
inclusive nos cursos oferecidos pelo Hospital Israelita Albert Einstein —, a
ideia é utilizar a aprendizagem em equipes para favorecer a compreensão dos
conceitos pelos estudantes.
O propósito é
avaliar os estudantes de maneira colaborativa e individual a partir de quatro
princípios:
- respeito à capacidade intelectual dos alunos,
até mesmo quando estão em grupo;
- responsabilização pelo trabalho em equipe e
pré-aprendizado;
- promoção do aprendizado e desenvolvimento da
equipe;
- Recebimento de feedbacks constantes e
imediatos.
Do mesmo modo, a
aplicação de diferentes tipos de avaliação leva a uma visão mais ampla do
ensino-aprendizagem. O resultado é a capacidade do docente de obter dados mais precisos sobre
esse processo, a fim de traçar estratégias eficientes em sala de aula para
aperfeiçoar a construção do conhecimento.
Compreenda os objetivos das provas
Qualquer avaliação
tem como finalidade indicar o nível de aprendizagem dos alunos e permitir
elaborar ações que melhorem o conhecimento. Portanto, o propósito é a melhoria
do sistema de ensino. Como o docente pode trabalhar essa questão?
O ideal é pensar e
planejar a prova antes de aplicá-la para a turma. Nesse processo é necessário
conversar sobre os critérios de avaliação e os parâmetros da escola. Desse
modo, há uma padronização em toda a instituição.
Um software de
gestão de provas, como o Prova Fácil, contribui
para esse propósito. Ele possibilita criar diferentes tipos de avaliações a
partir de parâmetros preestabelecidos. Além disso, o professor tem a chance de
definir como será o exame, o total de questões cobrado, seu nível de
dificuldade e mais.
Com esse equilíbrio,
tanto você quanto o aluno sabem o que esperar da avaliação. É assim que ela
consegue cumprir seus 3 principais objetivos:
- compreender o nível de desempenho de cada
estudante, ou seja, fazer um diagnóstico individual;
- comparar os dados com o que é esperado e
necessário ensinar no processo educativo, isto é, a qualificação;
- tomar decisões para aperfeiçoar os resultados,
por exemplo, planejar atividades, projetos de ensino ou sequências
didáticas, que contribuam para fomentar o aprendizado.
É desse modo que a
avaliação leva ao desenvolvimento do aluno. De quebra, ele tem mais chance de
apresentar bons resultados em avaliações externas à escola, como Enem, Enade,
vestibulares e outras.
Utilize questões
similares às atividades desenvolvidas em sala de aula
Muitos professores
esquecem de atentar ao conteúdo repassado em sala de aula e fazem as provas de
acordo com o currículo. No entanto, nem sempre há a conexão necessária entre o
dia a dia e a avaliação — esse é o principal erro cometido.
Na hora de avaliar
é preciso utilizar o conteúdo ministrado em sala e sua forma de apresentação.
Por exemplo, se você utilizou o TBL para dividir a turma em equipes e trabalhou
o assunto de forma colaborativa, utilize o mesmo método na prova.
O ideal é evitar
surpresas, porque elas tendem a levar o estudante ao erro. Perceba que a
conexão necessária com outros temas do dia a dia, como é cobrado no Enem, é
realizada de outras formas, quando o conhecimento já estiver cristalizado.
Defina níveis adequados de dificuldade
A melhor forma de
saber como elaborar provas é utilizar níveis corretos de dificuldade
para as questões.As perguntas nunca devem ser muito fáceis ou difíceis,
porque ambas as situações desestimulam e frustram os alunos. Por isso, o ideal
é garantir uma parametrização.
Como? O software de gestão de provas garante
esse aspecto, de acordo com as determinações da instituição de ensino. Basta
aplicar os filtros desejados e fazer a seleção das questões.
Além disso,
lembre-se de que o exame nunca deve ser muito longo para crianças de até 10
anos. Elas têm menor capacidade de concentração. Por isso, ficam muito
cansadas. Nesse caso, é melhor utilizar perguntas objetivas e dissertativas,
quando for o caso, e pedir que todos leiam as questões no início.
Apresente os resultados de maneira estruturada
A avaliação é
importante para diferentes públicos. Os alunos têm chance de acompanhar seu
processo de aprendizagem e conhecer seus pontos fortes e fracos. Os pais têm
interesse porque são corresponsáveis pela educação dos filhos quando crianças e
adolescentes. Por isso, os estimulam a perseguir melhores resultados.
Ao mesmo tempo, os
resultados das provas também são relevantes para professor e equipe docente. O primeiro
utiliza os dados para avaliar sua prática em sala de aula e a segunda assegura
a continuidade e a coerência na trajetória de aprendizado dos estudantes.
De toda forma, a
ideia de apresentar os resultados e debater em sala de aula serve para mostrar
aos educandos como eles deveriam ter raciocinado para chegar à conclusão. Além
disso, fomenta o debate de ideias e contribui para complementar os
conhecimentos de quem errou a questão.
Ao seguir essas
recomendações, você sabe como elaborar provas estruturadas e que contribuem
para o processo de aprendizagem. Também é dessa maneira que os melhores
feedbacks são repassados aos alunos e ajudam a solidificar a construção do
conhecimento.
Para facilitar esse
processo, lembre-se de contar com a tecnologia. Um software de gestão trabalha
todos esses quesitos de maneira fácil e prática. Quer conhecer melhor? Acesse o site do Prova Fácil e veja como solução e suas funcionalidades ajudam a criar avaliações parametrizadas e
adequadas para sua instituição de ensino!
A importância de avaliar o processo de ensino e aprendizagem
Segundo Luckesi (2011) “o ato de
avaliar a aprendizagem na escola é um meio de tornar os atos de ensinar e
aprender produtivos e satisfatórios”. Assim, não podemos desvincular a
avaliação do aluno do processo de ensino do professor. O processo de
ensino/aprendizagem é muito mais complexo que isso. A avaliação como
instrumento a serviço da aprendizagem do aluno deve contribuir para a análise e
para a decisão de quais ações pedagógicas deverão ser tomadas durante o
processo de ensino.
Apesar de ainda presente em muitas
escolas, a avaliação no fim do processo e apenas como constatação não contribui
para o avanço da aprendizagem do aluno. A constatação é o princípio, é o ponto
em que atribuímos uma qualidade (positiva ou negativa) ao que está sendo
avaliado.
A partir daí entra a análise e a tomada
de decisão sobre “o que fazer”, por isso a avaliação deve ser contínua e não
apenas no fim de cada etapa.
Luckesi nos diz que “(…) para
qualificar a aprendizagem de nossos educandos, importa, de um lado, ter clara a
teoria que utilizamos como suporte de nossa prática pedagógica, e, de outro, o
planejamento de ensino, que estabelecemos como guia para nossa prática de
ensinar no decorrer das unidades de ensino do ano letivo”.
Se detecto durante o processo de ensino
que alguns alunos não conseguiram atingir os objetivos propostos, é o momento
de redirecionar minhas ações para que as metas de aprendizagem sejam atingidas.
Por outro lado, também é importante que desenvolvamos em nossos alunos a
habilidade de se autoavaliar, para que dessa forma possam apropriar-se dos
recursos internos que utilizam (metacognição) e, assim, sejam capazes de
estabelecer ações que favoreçam a autorregulação da própria aprendizagem.
Luckesi reforça que a prática da
avaliação da aprendizagem deve apontar para a busca do melhor de todos os
educandos, por isso é diagnóstica e não estaciona na constatação.
Ao fazer as provas, 0(a) professor(a) pode
avaliar e devolver os testes para que os alunos analisem e identifiquem o tipo
de erro que foi cometido (conceitual, de cálculo, de interpretação de
enunciados, de falta de atenção, etc.). A partir daí o aluno pode refazer os
exercícios e, havendo dúvida, formular perguntas que poderão ser esclarecidas
durante as aulas.
Nessa perspectiva, professor(a) e aluno(a)
tornam-se parceiros, cada um buscando o seu melhor, sem medo. De um lado, o(a)
aluno(a) vai ficando gradativamente autônomo, e seus erros e suas dúvidas
acabam impulsionando a sua aprendizagem. De outro lado, o(a) professor(a) atua
como mediador(a) na busca de soluções que contribuam para uma melhora no
desempenho dos alunos.
Referências Bibliográficas:
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem – Componente do ato pedagógico. CORTEZ Editora, 2011
LUCKESI, Cipriano Carlos. Pátio. Porto alegre: ARTMED. Ano 3, n. 12 fev./abr. 2000.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulamentação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem – Componente do ato pedagógico. CORTEZ Editora, 2011
LUCKESI, Cipriano Carlos. Pátio. Porto alegre: ARTMED. Ano 3, n. 12 fev./abr. 2000.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulamentação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
De Maria Cristina Campos
Coordenadora Assistente do Ensino
Fundamental II.
“A coisa pública”.
A quem
pertence a coisa pública? Quem é o proprietário de algo que é público, que, a
princípio, seria de todos e todas. É claro que o proprietário daquilo que é de
todos e todas são todos e todas. Embora pareça óbvio, não é incomum no nosso
pais – mas não para sempre – que se imagine que a coisa pública, a respublica, como diriam os latino, não tenha dono.
Isso não é verdade. A coisa pública tem de ser cuidada, por
todas as pessoas, de todos os modos, o tempo todo. Isso significa que a coisa
pública não é a coisa sem proprietário. A coisa pública é aquela que não tem um
exclusivo proprietário, que não tem um único alguém que manda, comanda ou que
precisa zelar, cuida, tomar conta. Desse ponto de vista, se a coisa pública no
nosso pais ainda não é entendida como algo que tem um pertencimento para a
comunidade para a coletividade, vai ter, sim, no momento em que conseguirmos
formar a nós mesmos, formar as novas gerações para que se entenda que a coisa
pública é para nós um patrimônio, não um encargo, que a coisa pública é aquilo
que pertence a todos e todas para ter os meios vida, a fim de que possamos
viver em conjunto.
Que a coisa pública não é aquilo que fica largado ou que
deixamos para que “eles” tomem conta. E esse “eles” é quase nos referindo a uma
força imaginária, abstrata ou sobrenatural. Ao contrário, a coisa pública é
algo a ser cuidado, protegido, guardado e até, se necessário, por ela lutar, na
medida em que isso nos engrandece na vida coletiva
Mario Sergio Cortella
Livro “Pensar Bem nos Faz Bem” do filósofo Mario Sergio Cortella.
O menino que escrevia versos
Mia Couto
De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)
— Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
— Há antecedentes na família?
— Desculpe doutor?
O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:
— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.
Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas confissões de amor.
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
— São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?
Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.
— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.
Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
—Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
— Há antecedentes na família?
— Desculpe doutor?
O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:
— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.
Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas confissões de amor.
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
— São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?
Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.
— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.
Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
—Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar.
Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.
O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:
— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.
A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.
Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendidos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.
— Não continuas a escrever?
— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida — disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.
— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.
— Não importa — respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.
Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:
— Não pare, meu filho. Continue lendo...
— É sonhar.
Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.
O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:
— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.
A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.
Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendidos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.
— Não continuas a escrever?
— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida — disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.
— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.
— Não importa — respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.
Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:
— Não pare, meu filho. Continue lendo...
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