Léxico, a alma da língua
Na verdade, é o léxico o espelho da alma de um povo, é aí que reside sua legítima criatividade. Por meio das palavras é possível compreender o modo como uma comunidade de falantes pensa a realidade, os valores que lhe são importantes, a maneira de organizar a própria vida. O vocabulário é a lente pela qual vemos a existência.
Línguas indígenas não têm termos técnicos, científicos ou jurídicos. Em compensação, denominam cada arbusto, cada touceira de mato, cada gramínea de modo diferente porque, para os índios, a floresta é muito importante, é seu hábitat, sua fonte de alimento, sua farmácia e a morada de sua espiritualidade.
Algumas línguas de povos tribais não têm numerais acima de três ou cinco, assim como não distinguem mais do que quatro ou cinco cores, pelo simples fato de que não precisam de toda essa riqueza vocabular típica das línguas de civilização para dar conta de experiências cotidianas bastante corriqueiras. Já o nosso léxico, de 200 mil palavras, destina mais da metade desse número a cobrir áreas de extrema especialidade.
Ilya Prigogine, prêmio Nobel de química em 1977, certa vez lamentou que as línguas ocidentais tivessem tantos nomes para cores, distinguindo às vezes tons que o próprio olho mal percebe, e ao mesmo tempo tivesse uma só palavra para o amor. Dizia ele: “tenho quatro filhos, e amo cada um deles de modo diferente; no entanto, no dicionário esses quatro sentimentos se chamam simplesmente ‘amor’”. Assim como é amor o sentimento do filho pelos pais, do marido pela mulher, do enólogo pelo vinho, do avarento pelo dinheiro... Enquanto isso, para os comerciantes de tecidos uma fazenda marrom pode ser castanho, camurça, caramelo, champanhe, terra, café com leite, tabaco e mais uma porção de outros matizes, além, é claro, do próprio marrom.
Se o léxico é o espelho da alma de um povo, então nossa civilização pós-industrial dá mais valor à técnica e à produção do que aos sentimentos. Se a língua reflete nossa escala de valores, que valor tem em nossa cultura o amor, a amizade, a solidariedade?
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