segunda-feira, 27 de outubro de 2014

De uma coisa eu tenho certeza...

A festa foi na rua, não nos condomínios. Estou feliz! A democracia se comprova como o maior exercício da liberdade individual dentro do coletivo. Escrevo, ainda com uma certa ressaca desse estresse, da minha dedicação à campanha, do nervosismo, da ansiosa expectativa, da contagem progressiva das urnas e por fim do Carnaval eleitoral da vitória na Lapa ontem. Sob a chuva fina, o que comemorávamos ali? Quem eram aqueles silenciosos em plena noite carioca ouvindo as palavras da presidente que elegemos, com os olhos pregados no telão e às suas palavras? Não eram só petistas ou simpatizantes, nem eram só pobres e pretos. Via-se o híbrido brasileiro, a mistura da diferença, que é a gênese do Brasil. Havia mais: uma alegria contagiante de quem pensou no voto, de quem refletiu que, ainda que não esteja satisfeito com alguns rumos dessa administração, entendeu com clareza que é dentro desses vetores de inclusão e distribuição de justiça que queremos repensar esses rumos. Somos a 4ª economia do mundo. Não estamos tão mal. Mas não há legitimidade em um ranking de progresso econômico sem considerarmos a saúde, a educação, a segurança e a vida de todos que lutam e trabalham para a economia deste gigante Brasil. Foi a festa disto que vi ontem nas ruas. A ovação de um novo tempo, de uma vontade altruísta de um país, uma aprovação de uma evolução que estamos trilhando depois de tantos governos que nunca consideraram a existência das minorias em suas políticas públicas. Vale dizer que minoria aqui não se refere a número e sim à importância daquele grupo ou daquele tipo de cidadão no protagonismo de uma sociedade. O Brasil está se transformando. A coisa mais rara é ver uma negra ou um piloto nas tripulações brasileiras. Mas entre passageiros essa coisa já mudou na última década: eu sempre, nessa minha vida de mais de 20 anos nas pontes áreas nacionais, reparei que eu era a única negra das aeronaves. Ou eu ou um outro artista, um jogador de futebol, de vez em quando. E comparando pelas minhas andanças pelo mundo ficava mais gritante que era coisa daqui, fruto da nossa injustiça.
Nesse tempo de campanha em que me orgulho de ter influenciado na decisão de vários votos, conversei com muita gente, entre eles, taxistas, garçons, padeiros, pessoas que fazem o país funcionar, mas que geralmente eram invisíveis. Absolutamente todos afirmaram que agora podem andar de avião e visitar a família no Nordeste; trajeto que, quando rodoviário, custa 3 dias de viagem de ida. Todos deram seus testemunhos pessoais do quanto a cidadania tinha deixado de ser palavra de discurso para ser uma prática, tornando suas vidas dignas dentro da realidade. É verdade que nem sempre a fiscalização tem sido maravilhosa e isso o governo tem que reconhecer, mas não basta essa falha na fiscalização para comprometer o grande programa. Precisamos saber que o Bolsa Família exige que os filhos estejam na escola e, claro que um cidadão com suas questões básicas resolvidas, entra nas condições ideais para desfrutar dos saberes e da formação para o mercado de trabalho. Este é o Brasil do Pronatec, do Programa Juventude Viva, do Jovem Aprendiz. O próprio Bolsa Família foi elogiadíssimo no jornal Le Monde e é considerado o mais moderno programa anti pobreza do mundo, é a vanguarda internacional do combate a miséria num país desta dimensão. Sem preconceito, precisamos nos informar, procure saber o que há de bom e bem feito no país agora e o que você quer melhorar. Eis um Brasil diferente e que foi sonhado antes, desde obscuros tempos da ditadura. Houve gente que morreu para que estivéssemos nas ruas decidindo nosso futuro pelo voto. Com as divergências e os ânimos alterados, as pessoas se expuseram mais e aconteceu uma coisa que eu nunca tinha visto: os preconceitos assumidos a plenos pulmões. Pessoas falando contra o Governo, usando como argumento coisas esdrúxulas: “Pra que preto e pobre precisam de universidade? Daqui a pouco ninguém consegue mais uma empregada.” “Veja, Dilma está com aquele gay, o Jean Wyllys! Olha com quem ela anda!” ou Ah! Eu sou a favor da ditadura, sabe?! Eu nunca vi esse negócio de governar para pobre andar de avião!” “É claro que pobre vota na Dilma, se os porcos pudessem votar, votaria em quem dá lavagem para eles”. Diante de tais declarações polarizaram-se muitas vezes as discussões. Para quem tem um pensamento de sustentabilidade do sonho coletivo e dos sonhos de cada um dentro deste coletivo, essas declarações estarrecem, revelam o atraso, o retrógrado diante dos avanços atuais. Porém é a democracia que levanta este tapete, quem sopra essa poeira dali de baixo e faz com que essas vozes que nunca tiveram coragem para assumir seu pensamento elitista se sintam à vontade para falar. Quem defende a ditadura parece não saber que nela só pode falar quem concorda com o Governo. Quem não concorda morre. Só isso.
Tenho certeza de que esta eleição foi uma grande lição para a nossa adolescente democracia, que acho que, com essa acaba de viver o seu primeiro menstruo, e que um dia será uma linda mulher. A mulher que hoje a representa é Dilma Rousseff, das manifestações do Brasil que saiu as ruas, viam-se bandeiras onde estava estampado o nome dela. A bandeira era ela. Aquela de coração valente que não foge à luta e não tremeu diante da artilharia da mídia, de grande parte dos que mandam nessa sociedade rica brasileira e das forças políticas que se juntaram contra ela e seu projeto. Dizem que o país está dividido por causa da vitória apertada, mas eu não vejo assim. Conversei com muita gente que votou no outro candidato porque não estava entendo direito, não havia refletido ,e me disse isso com clareza depois. Podemos e devemos discordar, discutir ideias para se chegar a um consenso do que queremos em relação a vários temas fundamentais para o nosso presente futuro, no entanto, faz-se urgente a necessidade de uma educação para crianças e adultos, uma espécie de campanha que faça o país reconhecer-se em sua diversidade, sem tantos sectarismos ou racismos, homofobismos e outros ismos que atravancam o progresso. Elegemos uma presidente e entre seus eleitores há um povo mais consciente, mais maduro, mais interessado no próprio destino; há uma juventude esperta que voltou a acreditar na política, e que lotou a Cinelândia ontem à noite no Rio e em várias regiões do país; há uma gente pensante, inteligente que, como povo, vai querer governar com a Dilma e seus representantes, uma gente que vai pressionar o congresso, uma gente que não vai tolerar corrupções sem punições, que vai cobrar cada promessa, enfim, que está de olhos abertos com o gigante que acordou e parece não estar mais com sono nenhum. Ainda que não queiram alguns, o Brasil é um só. Ficamos todos esperando o fuso horário do Acre, um Estado tão desconhecido pela maioria dos brasileiros para sabermos quem tinha vencido. Ê, Brasilzão danado e maravilhoso: imenso, com suas culturas diversas, com seus 200 milhões de habitantes falando uma mesma língua e querendo ter direito a alardeada riqueza de sua terra. É hora de entendermos isto. Dilma uma vez por todas!


Elisa Lucinda

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