Carta para além do muro (ou
por que Dilma agora)
Aécio
representa uma coligação de partidos de ultradireita, com uma base ainda mais
conservadora que a do governo Dilma no Parlamento.
O
deputado federal Jean Wyllys durante a votação do primeiro turno
O muro
não é meu lugar, definitivamente. Nunca gostei de muros, nem dos reais nem dos
imaginários ou metafóricos. Sempre preferi as pontes ou as portas e janelas
abertas, reais ou imaginárias. Estas representam a comunicação e, logo, o
entendimento. Mas quando, infelizmente, no lugar delas se ergue um muro, não
posso tentar me equilibrar sobre ele. O certo é avaliar com discernimento e
escolher o lado do muro que está mais de acordo com o que se espera da vida. O
correto é tomar posição; posicionar-se mesmo que a posição tomada não seja a
ideal, mas a mais próxima disso. Jamais lavar as mãos como Pilatos – o que
custou a execução de Jesus – ou sugerir dividir o bebê disputado por duas mães
ao meio.
Sei que
cada escolha é uma renúncia. E, por isso, estou preparado para os insultos e
ataques dos que gostariam que eu fizesse escolha semelhante às suas.
Por
respeito à democracia interna do meu partido, aguardei a deliberação da direção
nacional para dividir, com vocês, minha posição sobre o segundo turno. E agora
que o PSOL já se expressou, eu também o faço.
Antes de
mais nada, quero dizer que estou muito feliz e orgulhoso pelo papel cumprido ao
longo de toda a campanha por Luciana Genro. Jamais um(a) candidato(a)
presidencial tinha assumido em todos os debates, entrevistas e discursos – e,
sobretudo, no programa de governo apresentado – um compromisso tão claro com a
defesa dos direitos humanos de todos e de todas. Luciana foi a primeira
candidata a falar as palavras "transfobia" e "homofobia"
num debate presidencial, além de defender abertamente o casamento civil
igualitário, a lei de identidade de gênero e a criminalização da homofobia nos
termos em que eu mesmo a defendo; mas também foi a primeira a defender, sem
eufemismos, as legalizações do aborto e da maconha como meios eficazes de
reduzir a mortalidade da população pobre e negra, a taxação das grandes
fortunas, a desmilitarização da polícia e outras pautas que considero
fundamentais. O PSOL saiu da eleição fortalecido.
Agora, no
segundo turno, a eleição é entre os dois candidatos que a população escolheu:
Dilma Rousseff e Aécio Neves. E eu não vou fugir dessa escolha porque, embora
tenha fortes críticas a ambos, acredito que existam diferenças importantes
entre eles.
A
candidatura de Aécio Neves – com o provável apoio de Marina Silva (e o já
declarado apoio dos fundamentalistas MAL-AFAIA e Pastor Everaldo; do
ultrarreacionário Levy Fidélix; da quadrilha de difamadores fascistas que tem
por sobrenome Bolsonaro e do PSB dos pastores obscurantistas Eurico e Isidoro)
– representa um retrocesso: conservadorismo moral, política econômica
ultraliberal, menos políticas sociais e de inclusão, mais criminalização dos
movimentos sociais, mais corrupção (sim, ao contrário do que sugere parte da
imprensa, o PT é um partido menos enredado em esquemas de corrupção que o
PSDB), mais repressão à dissidência política e menos direitos civis.
Mesmo com
todos as críticas que eu fiz, faço e continuarei fazendo aos governos do PT, a
memória da época do tucanato me lembra o quanto tudo pode piorar. Por outro
lado, Aécio representa uma coligação de partidos de ultradireita, com uma base
ainda mais conservadora que a do governo Dilma no Parlamento. Esse alinhamento
político-ideológico à direita entre Executivo e Legislativo é um perigo para a
democracia.
Vocês,
que acompanham meus posicionamentos no Congresso, na imprensa e aqui sabem o
quanto eu fui crítico, durante esses quatro anos, das claudicações e recuos do
governo Dilma e do tipo de governabilidade que o PT construiu. Mas sabem,
também, que tenho horror a esse antipetismo de leitor da revista marrom, por
seu conteúdo udenista, fundamentalista religioso, classista e ultraliberal em
matéria econômico-social. Considero-o uma ameaça às conquistas já feitas, que
não são todas as que eu desejo, mas existem e são importantes, principalmente
para os mais pobres. As manifestações de racismo e classismo que vi nos últimos
dias nas redes sociais contra o povo nordestino, do qual faço parte como baiano
radicado no Rio, mais ainda me horrorizam.
Por isso,
aderindo à posição da direção nacional do PSOL, que declarou "Nenhum voto
em Aécio", eu declaro que, neste segundo turno das eleições, eu voto
em Dilma e a apoio, mesmo assegurando a vocês, desde já, que farei oposição à
esquerda ao seu governo (logo, uma oposição pautada na justiça, na ética, nas
minhas convicções e no republicanismo), apoiando aquilo que é coerente com
as bandeiras que defendo e me opondo ao que considero contrário aos
interesses da população em geral e daqueles que eu represento no Congresso,
como sempre fiz.
Hoje, antes
de dividir estas palavras com vocês, entrei em contato com a coordenação de
campanha da presidenta Dilma para antecipar minha posição e cobrar, dela, um
compromisso claro com agendas mínimas que são muito caras a mim e a todas as
que me confiaram seu voto.
E a
presidenta Dilma, após argumentar que pouco avançou na garantia de
direitos humanos de minorias porque, no primeiro mandato, teve de levar em
conta o equilíbrio de forças em sua base e priorizar as políticas sociais mais
urgentes, garantiu que, desta vez, vai:
1. fazer
todos os esforços que lhe cabem como presidenta para convencer sua base a
criminalizar a homofobia em consonância com a defesa de um estado penal mínimo;
2. fazer
todos os esforços que lhe cabem como presidenta para mobilizar sua base no
Legislativo para legalizar algo que já é uma realidade jurídica: o casamento
CIVIL igualitário (ela ressaltou, contudo, que vai tranquilizar os religiosos
de que jamais fará qualquer ação no sentido de constranger igrejas a realizarem
cerimônias de casamento; a presidenta deixou claro que seu compromisso é com a
legalização do CASAMENTO CIVIL – aquele que pode ser dissolvido pelo divórcio –
entre pessoas do mesmo sexo);
3.
realizar maior investimento de recursos nas políticas de prevenção e tratamento
das DSTs/Aids, levando em conta as populações mais vulneráveis à doença;
4. dar
maior atenção às reivindicações dos povos indígenas, conciliando o atendimento
a essas reivindicações com o desenvolvimento sustentável;
5. e
implementar o Plano Nacional de Educação (PNE) de modo a assegurar a todos e
todas uma educação inclusiva de qualidade, sem discriminações às pessoas com
deficiências físicas e cognitivas, LGBTs e adeptos de religiões minoritárias,
como as religiões de matriz africana.
Por tudo
isso, sobretudo por causa desse compromisso, eu voto em Dilma e apoio sua
reeleição. Se ela não cumprir serei o primeiro a cobrar junto a vocês.
Por Jean Wyllys — publicado 08/10/2014
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