Não é uma santa, contudo
é exemplo de fé.
Sábado, 21 de setembro de 2019, tarde silenciosa, abro
o meu baú de lembranças e encontro nas minhas reminiscências uma biografia que
apresento por conhecer de perto. Saboreamos o bom, o alegre, mas aqui e ali nos
deparamos com muitos cacos ruins, e desafiadores. Mas quem não os vive? Acertado,
é quando saímos amadurecidas das experiências. E ela saiu, os pedaços mais
doloridos foram seus, ela sentiu na pele, no osso, na carne, no seio. Por isso
tornou-se um ser mais que especial e vou tentando encontrar as palavras sensatas
para defini-la. ANA, que quer
dizer "graciosa, cheia de graça". Além dessa definição do seu
nome ela carrega uma lista ilimitada de conceitos. Ela é uma mistura de tudo que é inquietude e
ousadia. A conheci em 1996, primeiro dia de faculdade que não recordo com
precisão à data. Sei que nos conhecemos ali, na UERN/Assú-RN, naquela noite
agitada, cheia de curiosidades e algumas descobertas. Aprovadas no curso de
letras, um pequeno sonho iniciando-se. Turma boa de ousados e idealistas, e ela
chamava atenção pelo jeito destemido de ser, riso frouxo, olhar atrevido,
hum... Ela sempre foi assim, espontânea e forte, não tinha tiques de vaidade,
nem estilo próprio definido. Com o tempo foi apreciando as novidades da moda. Decerto,
pela correria que enfrentava e o desejo de vencer na vida, esses individualizes
se faziam pequenos, era, portanto, comum o descuido com algumas combinações.
Tudo pequeno diante da grandeza de um ser. O valioso disso é que a nega não
deixava de ser sedutora e sensual. Quando ela chegava à sala se sacudia. Chegava
meio descabelada, cheia de poeira das estradas que enfrentava de moto, o
capacete na mão, naquela época, já namorava o Luiz Neto, seu contínuo protetor,
saiam de Pendências para Porto do Mangue onde dava aulas e de Porto para Assú,
sempre determinada e aventureira, muito aventureira. Era uma Gabriela de cravo
e canela. Quantas aventuras foram confidenciadas anos depois. Por quanto tempo
emprestei meus ouvidos para suas histórias afoitas. Que histórias! Ficaram na
poeira do transporto. Sua adolescência foi vivida intensamente. Na época da
faculdade, não compactuamos amizade, nossos gostos eram bem diferentes, eu
sempre pacata, o grupo era mais seleto pelas características comuns, formamos
um trio denominado: Amorzinho, Perpétua e Cinira personagens da novela Tieta. Ana
era parte de outro trio de mademoiselles, no
finalzinho é que nos aproximamos e começamos uma amizade bacana, é certo que
houve desencontros de ideias, mais acrescentamos afeto, união, carinho e
respeito. Lembro com saudades do dia 17 de dezembro de 2000, data do meu
aniversário, noite de festa, de comemorações, de expectativas, festa de Beto
Barbosa em Pendências, no parque de vaquejadas, onde combinamos comemorar o
final do curso de letras, junto com outras amigas da turma, ela namorando Luíz
e eu sozinha, um coração solitário e porque não dizer afável. Ahhh! Tive a feliz
sorte de encontrar meu amor... Casamos no ano seguinte, engravidamos e tivemos
filhos com diferença de um mês. Ela uma menina e eu um menino, foram amigos
quase irmãos até os 11 anos. Depois os gostos se dispersaram. Tudo parecia
combinado, mas nunca foi. Ela se naturalizou Carnaubaense e a amizade foi
ficando mais sólida, embora cada uma no seu toado. E veio à aprovação no
concurso da prefeitura de Carnaubais, celebramos, porque essa conquista
sinalizava a nossa liberdade financeira. Já efetivas trabalhamos na mesma
Escola Princesa Izabel no Distrito do Entroncamento, éramos as professoras
queridas recém-formadas e cheias de gás para ensinar. Logo depois ela veio para
o Abel, maior escola do Município e eu continuei na Princesa Izabel, onde vivi
momentos valiosíssimos, com uma turma de colegas professores que marcaram a
trajetória daquela escola. Anos depois trabalhamos mais próximas, eu como
coordenadora Pedagógica e ela como supervisora da educação de jovens e Adultos,
passei a ser secretária se educação no ano de 2008 e ela supervisora.
Aprendemos muito, conhecemos a sistematização da educação por outro ângulo, um
ângulo mais abrangente. Vivemos momentos significativos para o crescimento
profissional e custosos, porque não dizer. Fomos funcionárias efetivas também
de Porto do Mangue. Eu menos tempo que ela. Em 2006 passamos no concurso do
estado, feito por cidade, fizemos para Carnaubais, a ideia era ficar em casa,
pois nessa época Deus já havia dado o privilégio de sermos mães. Não tem como
falar de Ana, sem que não entre no contexto, pois estivemos juntas por muitas estações,
ela sempre ela e eu deste modo. Quase nove anos depois dos nossos primogênitos,
veio outra gravidez e de novo no mesmo ano, coincidentemente. Ela teve final
feliz com a chegada de Ana Nerissa, linda, e eu, que sonhei tanto com outro
filho inesperadamente perdi. Mas são assim os propósitos de Deus, nós não
entendemos, mas ele sabe todas as coisas. Tocamos o barco, sala de aulas,
problemas de saúde constantes, foram momentos tensos e partilhados... Ana se
afastava de sala, colocava atestados, ia à perícia e tinha uns relatos
estranhos, fazia exames, ficava roca, fez cirurgia no nariz, era julgada,
aparentemente não tinha nada, viajava, fotografava, se expunha, era ativa, trabalhava
e de novo adoecia, e de novo tudo começava, foram tamanhos os impedimentos. Alimentava-se
de um jeito meio torto. Daí, em setembro de 2016, a encontrei na secretaria de
educação, nesta época estávamos numa fase de distanciamento pela correria do
trabalho, quando ela foi deixar um atestado e conversar com o secretário de
educação Hélio Maria, sentamos um pouco na mesa redonda para conversar, relatou-me
que tinha feito uns exames e a mastologista pediu para fazer uma pulsão com urgência....
A partir da mesma, desencadeou tudo. Diagnóstico bombástico, câncer agressivo, triste,
começa a corrida pela vida, ela parecia doutro mundo, a gente desanimava e ela
surpreendia. Íamos visitar com olhar penoso, ela sorria e demonstrava que a
força que carregava ia fazê-la vencer. Campanhas, orações e pensamentos
positivos.
Foi a UTI, esteve debilitada, a imunidade baixou mais que o devido,
corre para Mossoró... voltou feita leoa aguerrida, pronta para todas as lutas.
Às vezes dava vontade de dar umas palmadas de tão teimosa, detestava máscara, ria
na cara do perigo, bastava melhorar um pouco, lá estava ela, teimando de novo, saia
de casa, não temia nada, fazia como sempre fez o que o coração mandava. Fez
fotos lindas e apimentadas. Estimulou outras mulheres a se erguer, a acreditar,
a continuar com fé. Desfilou, fez parte de um grupo chamado laços de mama, com
uma proposta linda para reanimar vidas. E Ana, louca da vida! E cada vez mais
com vida. E não existe força maior que a força espiritual. Ana
Paz é uma prova. Seu câncer era agressivo, tinhosos, cruel... Já fez diversas cirurgias,
já foi acometida por outras situações delicadas, preocupantes, contudo não
perde a majestade. Não perde a fé, não perde Deus de vista. Ana é doutro mundo,
deve ter nascido para desafiar e quebrar paradigmas, e que bom que essa danada
vence todas. Ana é exemplo de quem vive de verdade, e com seu jeito de ser,
confiante, torna-se eterna. Assim a gente passa a entender que os danos ou
ganhos dependem da perspectiva e possibilidade de cada um, à medida que vai
tecendo sua história. É compreensivo que o mundo não tem sentido sem um olhar
de fé, de esperança e de sonhos. Sonhar sim, porque se desistirmos disso
apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Ana sonha, Ana acredita,
Ana vence, Ana aceita, Ana chora, Ana ri, Ana ousa, Ana caminha, Ana é Ana,
nunca foi santa mas é cheia de fé. E é isso, viver é reinventar-se!
Josélia Coringa
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