quarta-feira, 6 de outubro de 2010

ADORAVA O PROFESSOR QUE ME CASTIGAVA


No meio do pátio tinha uma árvore. E era ali que a gente ficava de castigo. Horas. Tinha sombra, pelo menos. E eu sempre ficava de castigo.
Tinha catorze anos e fazia o quatro ginasial. Uma espécie de oitava série, hoje em dia.
Todo mundo jogando futebol e a gente ali, de castigo. O tempo do castigo era indeterminado. A gente ficava ali até decorar uma poesia inteira. Foi assim que, até hoje, sei poemas inteiros de Castro Alves (Deus, ó Deus, onde estás que não respondes, em que mundo em que estrelas tu te escondes, embuçado nos céus, há dois mil anos te lancei meu grito que, embalde, corre o infinito) o Hino Nacional inteiro, que muito me ajudou na Copa de 94 na Califórnia. Sabia inteirinho. Tertuliano, frívolo e peralta, que foi um paspalhão desde fedelho, tipo incapaz de ouvir um bom conselho, tiro que, morto, não faria falta. Artur Azevedo puro.
Ele era baixinho, tinha um nariz de coruja e parecia muito velho para a minha adolescência. O nome dele era (e é) padre Pedro Cometti. Salesiano italiano. Odiava aquela árvore, hoje a adoro. Outro dia mesmo fui até lá, em Lins, e me encostei nela. Disse o Tertuliano inteiro.
Padre Pedro dava aula de português. Sacou que eu tinha jeito para os escritos e me dava esses tipos de castigo. Queria matar aquele homem de batina preta e olhar profundo. Hoje, agradeço. O danado tinha bom gosto. Das naus errantes quem sabe o rumo, se é tão grande o espaço?
Padre Pedro, hoje meu amigo e vigário geral em Cuiabá, talvez tenha sido a primeira pessoa a acreditar que hoje eu estivesse aqui, nesta revista, escrevendo essas besteiras todas.
Tudo começou quando ele deu uma redação sobre o tema da moda, em 1961: a pena de morte. Eu já havia escrito umas quinze redações sobre este tema. Não tinha mais saco. Tinha que ser em trinta linhas. Naquele época eles achavam que tudo tinha que ser em trinta linha. Mas eu escrevi:
- Ao iniciar esta redação a caneta caiu no chão e quebrou a pena. Êta pena de morte!
Me deu zero, porque não completei as trinta linhas complementares. Mas sacou que eu tinha jeito para a coisa. E toma árvore no recreio.
E lá fui eu conviver - com os passarinhos fazendo cocô na minha cabeça - com os maiores poetas do mundo. De Castro Alves a Dante Alighieri.
Outro dia, já passando dos cinqüenta, me encontrei com ele num apartamento em São Paulo. Disse várias poesias daquele tempo para ele. E descobri, que o desgraçado não sabia nenhuma de cor.
Mas tomamos um uisquinho, frívolos e peraltas. Como nos bons tempos, onde uma árvore vagabunda valia por anos de universidade. Tempos para ser formar uma amizade que vai até hoje.
Estamos em pleno mar, ao quente arfar das virações marinhas. Veleiro brigue corre à flor do mar, como roçam, nas águas, as andorinhas.
Brigado, Padre Pedro. Esta redação foi escrita especialmente para você. Tente decorá-la, tente!

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