Não
falarei do começo de ano amargo dos que dizem que para eles essas datas
não existem: espalham o negativismo de suas decepções com a raça
humana, que na verdade não é tão grande coisa assim, portanto não se
deveria esperar que o fosse.
Talvez eu fale de um começo de ano mais simples, porque não foi antecedido por um daqueles Natais de religiosidade fingida, amor com hora marcada, presentes supérfluos ou adquiridos com sacrifício; talvez eu fale de confraternização, abraço amigo sincero, acolhimento da família – amada apesar de diferenças, sabendo que ali a gente é aceito mesmo quando não é entendido, mais que isso: é respeitado e querido.
Talvez eu fale de um começo de ano mais simples, porque não foi antecedido por um daqueles Natais de religiosidade fingida, amor com hora marcada, presentes supérfluos ou adquiridos com sacrifício; talvez eu fale de confraternização, abraço amigo sincero, acolhimento da família – amada apesar de diferenças, sabendo que ali a gente é aceito mesmo quando não é entendido, mais que isso: é respeitado e querido.
Falo
de uma tentativa real de recomeçar até onde é possível: com um olhar um
pouco diferente para pessoas a quem a gente admira ou estima e
normalmente não tem tempo de abordar (que pena, que desperdício). Gente
que nos interessa pelo simples carinho, independentemente de status,
grana, importância e possível utilidade.
Falo
de uma entrada em um novo ano abrindo as portas e janelas da casa e da
alma. Sem frescura, sem afetação, sem mau humor, sem pressão nem
formalidade. Pensando que a gente poderia ser mais irmão e mais amigo,
mais filho e mais pai ou mãe, mais humano, mais simples, mais desejoso
de ser e fazer feliz, seja lá o que isso signifique para cada um de nós.
Não
com planos mirabolantes que não se podem cumprir, mas inventando novos
modos de querer bem, sobretudo a si mesmo, pois sem isso não tem jeito
de gostar dos outros de verdade.
O
bom é entrar num novo ano sem nostalgia melancólica, sem suspiros
patéticos e sem lamentações inoportunas, sem torrar a paciência dos que,
ao redor, estão querendo começar o novo ano num clima positivo.
Não
falarei, nunca, de festas de passagem de ano tendo de encher a cara
para agüentar o próprio deserto interior e a frivolidade de toda uma
vida ou para enfrentar a loucura generalizada, o desamor dos parentes
chatos, dos filhos idem, da mulher ou marido irônicos, da sogra
carrancuda, do amigo interesseiro ou o prenúncio das contas que se
acumularão porque a gente gastou o que não podia com coisas que não
devia.
Algumas
pessoas saem da manada e se propõem a cada ano uma vida possível, mais
amena e humana apesar de tudo. Na qual, independentemente de crença,
ideologia e vivências, aqui e ali se consegue refletir e reavaliar
algumas coisas. Com um pouco mais de aproximação, de reflexão, de algum
otimismo, a gente sendo menos arrogante, menos fria, menos
desinteressante, mais... gente.
E, já que é um novo ano, vai aí um presente meu, simplesinho, que os tempos estão difíceis: Deus, eu faço parte do teu gado: esse que confinas em sonho e paixão, e às vezes em terrível liberdade.
Sou,
como todos, marcada neste flanco pelo susto da beleza, pelo terror da
perda e pela funda chaga dessa arte em que pretendo segurar o mundo.
No
fundo, Deus, eu faço parte da manada que corre para o impossível, vasto
povo desencontrado a quem tanges, ignoras ou contornas com teu olhar
absorto.
Deus, eu faço parte do teu gado estranhamente humano, marcado para correr amar morrer querendo colo, explicação, perdão e permanência.
Deus, eu faço parte do teu gado estranhamente humano, marcado para correr amar morrer querendo colo, explicação, perdão e permanência.
Um comentário:
Obrigado belo texto.
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