Lya luft
...Drogas têm sido o assunto nosso de cada dia, não o pão, mas o veneno da alma. O tema nos atinge com uma tremenda sensação de impotência, pois avassala o mundo mata a juventude, enriquece os traficantes, e deixa perplexos médicos, psiquiatras e policiais. Uma vez dentro desse labirinto que nos devora, dificilmente encontramos a saída.
Então, por que nos drogamos? Irresponsabilidade, brincadeirinha, desafio ao mundo instituído, medo da realidade, desespero pelo excesso de pressão? Tudo nos pressiona: a sociedade (ou a família) quer que sejamos bons, competentes, os melhores; a sexualidade é imposta com precocidade e insensatez; o mercado de trabalho é difícil, somos lançados nele quase sem preparo; os péssimos exemplos vindos de autoridades e líderes nos incutem desesperança; somos atropelados de todos os lados. Então a gente esquece os compromissos, machuca os amores, foge do olhar interrogativo ou do silêncio acusador, sucumbe ao conforto do esquecimento cada vez mais urgente, olvido na garganta, na veia.
"O vício se desenvolve e se torna poderoso
nas águas turvas do desejo de morte,
da falta de equipamento para enfrentar a vida,
da fuga da realidade para uma
solução mais fácil."
Um ponto singular é que a maioria dos que bebem ou usam drogas (exceto o crack, que produz uma adição quase imediata, e a morte rápida) não se vicia. Isso torna a questão mais complexa ainda: por que uns sim outros não? O vício se desenvolve e se torna poderoso nas águas turvas do desejo de morte, da falta de equipamento para enfrentar a vida, da fuga da realidade para uma solução mais fácil. Uma vez instalado, corrói a honra, a dignidade, a vontade, os amores. Chega quase inexoravelmente o abandono da família , pois nessa tumultuada arena a família adoece também, de várias formas. O viciado é um náufrago: arrasta consigo os que o amam, e não sabe disso. Ou não pode evitar. Em casa torna-se um estranho, buscando sobreviver, os envolvidos se afastam ou fingem ignorar. Possivelmente antes disso chegou também a ruína financeira. O desastre profissional. A fuga dos amigos. Por isso nos anestesiamos ainda mais: morreu o instinto de sobrevivência, último a nos abandonar.
Leio que agora até no sertão brasileiro o crack, mais barato e mortal que outras drogas, começa a sua devastação. É vendido em rodoviárias, levado para o interior, permitindo talvez que muitos miseráveis e sem esperança tenham seus momentos de delírio e sonho, fujam da realidade para logo ser levados deste mundo, pois essa droga, mais que todas, mata rapidamente. Ricos e pobres, intelectuais e operários ou domésticas, a vida é para todos perturbadora. Precisaríamos ser um pouco heróis, um pouso estoicos, para escolher outro caminho, para resistir. Ou um pouco mais sábios, isto é, tentando remar contra a maré do consumismo, dos joguinhos de poder, da cobiça (mais cargos, mais grana, mais prazeres, como a criança que não larga o peito de mãe) Insaciáveis e insuficientes para nossos próprios tão vastos desejos, por outro lado pusilânimes, apelamos para a droga (incluindo o álcool) com uma espantosa ignorância dos males que causa, como se eles fossem lenda, histórias de bruxas par assustar crianças. Nós, porém, somos onipotentes, somos inatingíveis, conosco nada vai acontecer além de momentos de alívio. Faltando estabilidade, projetos, afetos, alegria, qualquer rodoviária nos abrirá as portas do falso paraíso, mesmo que ele dure só alguns momentos, e atrás dele se abram os abismos do inferno, não míticos infernos de anjos caídos, mas o labirinto onde se desperdiça a vida.
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*Escritora. Colunista da revista VEJA
Fonte: Revista VEJA impressa, Ed.2236 Nº 44 – 28 de setembro de 2011, pág.24
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