Aluno de escola pública, João conta que magreza,
altura, cabelo e letra faziam outros implicarem com ele. Como defesa, começou a
ler.
O Enem está cheio de boas histórias. Como essa de Fortaleza: João Victor foi um dos alunos que mais acertou questões no Enem. Quase a prova inteira. E sabe por quê? Por causa da paixão pelos livros.
Suely é a bibliotecária da escola, e todos os dias, várias horas por dia, ela vê o mesmo cara no fundo da biblioteca.
Fantástico: Quantos livros você já leu este ano? João Victor Claudiano dos Santos: Uns 80, 90.
A obsessão pela leitura começou como uma espécie de defesa. É que ele sofreu muito bullying na escola.
Fantástico: Que tipo de bullying você sofria? João: Vários. Minha magreza, minha altura, meu cabelo e a minha letra. Eu sempre sofria bullying, desde criança, e eu via no estudo, eu tirar notas boas, uma questão de eu ser superior.
Além de ler muito, João deu sorte de estudar em um colégio público que nos últimos anos passou a preparar os alunos para entrar na faculdade.
O resultado: em 2005, cinco alunos dessa escola foram aprovados na universidade. No ano passado foram 244 aprovados.
“Se você chegava em uma turma de 3º ano e perguntava quem acreditava que ia entrar na universidade, quatro ou cinco levantavam mão. Hoje, praticamente 100% dos estudantes acreditam, sim, que é possível se tornar universitário, mudar a sua vida e mudar a vida de sua família”, diz o professor Monteiro Firmino.
É claro que a implantação das cotas nas universidades para alunos de escolas públicas ajudou esse número a crescer, mas a história do João mostra que isso não é tudo. Ele é aluno do 2º ano. Fez o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, pela primeira vez. Semana passada, quando foi conferir o gabarito da prova, descobriu que tinha acertado 172 das 180 questões: 95%.
Fantástico: Você ficou impressionado com a sua nota no Enem? João: Não fiquei impressionado. Eu fiquei impressionado com a repercussão disso. Nordestino, é tipo, 170 questões, cearense.
Mas João nunca deixou ninguém limitar seus horizontes. O João vem da escola todo dia a pé. É claro que isso não se apresentou como um grande obstáculo, mas todo mundo sabe que andar muito a pé, todo dia, tem as suas consequências.
João só faltou dois dias de aula este ano, justamente por causa da caminhada.
João: Eu sempre ia para a escola com ele. Teve um dia, com o tempo, que ele furou. Aqui o buraco. Fantástico: E você parou de ir para escola? João: Exatamente. Pelo fato de eu não ter nenhum outro calçado.
“Não era justo ele faltar por causa de um calçado. Eu coloquei na minha cabeça que não é por causa de um calçado que meu filho não vai realizar o sonho dele”, diz Ana Maria Claudiano dos Santos, mãe de João.
Ana deu um jeito de comprar um par de sapatos novos. Não foi a primeira vez que a mãe de cinco filhos teve que contornar um imprevisto para que eles pudessem estudar.
“A gente deixava de comprar mistura, carne. A gente comia ovo, mortadela, salsicha. Eu não tenho vergonha de dizer isso, eu não tenho vergonha de dizer que eu abria mão da nossa própria alimentação para investir no estudo dos meus filhos’, afirma.
Ela percebeu que os filhos respondiam ao incentivo. Sinais apareciam pela casa. “Um dia eu acordei e ele estava fazendo café e eu falei: ‘João, minha parede está toda riscada. O que é isso?’. ‘Mãe, a senhora não sabe, isso não é risco. É ciência’”, conta Ana.
Nas paredes da sala, fórmulas de química e física. “Eu não queria apenas ler, eu queria tocar, eu queria escrever, eu queria passar o dedo em cima, essas coisas”, diz João.
E não é que deu certo? “Essa aqui é a foto do meu primeiro jornal que eu comprei na minha vida! Eu tive tanto orgulho do meu filho estampado que eu cortei e coloquei na moldura”, diz Ana.
Ela nunca aprendeu a ler, trabalha desde muito cedo e criou os filhos sozinha. “Valeu a pena. Tudo o que você faz por um filho vale a pena”, diz.
João ainda não sabe se vai entrar na faculdade agora ou se vai cursar o 3º ano, mas duas escolas particulares de Fortaleza já ofereceram bolsas de estudo para ele e para os irmãos.
Agora João, em um feito quase inédito na vida dele, vai poder escolher. “Não me importa se você é classe média, classe alta ou classe baixa. Se mora no Sul, no Sudeste, Norte ou Nordeste. Se você estudou em escola pública ou particular. A vida é um ciclo, e mesmo que aconteçam coisas opostas ao que você quer, se você continuar querendo você vai conseguir”, diz João.
G1
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