quinta-feira, 5 de novembro de 2009
AMOR- (Lia Luft)
A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres. O casal
perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser humano, sem
se sentir isolado do parceiro ou sem se isolar dele.
Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o
namoro,o amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou
suavizados todos os problemas como a chatice da casa dos pais, ver as amigas
ou amigos casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinho às
festas e sexo difícil e sem afeto.
Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca mais
só!", porque aí é que a coisa começa a ferver.
Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o
sempre à espreita, incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de
dois rostos.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não
significa tédio nem fim de atração), começamos a amar de outro jeito.
Ou a amar melhor; ou, aí é que começamos a amar. A querer bem; a apreciar;a
respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir a falta; a conceder espaço; a
querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do
desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não
Veio, alguém na família doente ou problemático, a mãe ou o pai deprimido ou
simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.
E explodimos, queremos morrer, quando cai aquela última gota, pode ser uma
trivialíssima gota - ai nos damos conta: nada mais é como era no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não
sei o que fazer.
Como não desistimos facilmente porque afinal somos guerreiros ou nem
estaríamos mais aqui, e também porque há os compromissos, a casa, a
grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um jeito de recomeçar,
reconstruir. Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da
criatividade
numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação,
a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado,
não o meio.
Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas
que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi
de novo como minha mulher".
Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. Ao
menos e vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha
vida?
Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para
melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser
melhoradas.
Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como
realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem,
de mudar de profissão.
Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização
e sobretudo abertura com o outro.
É difícil? É difícil.
É duro? É duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico,
dizia Hélio Pellegrino.
Viver é um heroísmo, viver bem um amor, mais ainda.
O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho
e da certeza de que, apesar dos pesares, nós, a cada dia, nos escolheríamos
novamente!!!
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