sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CUIDADO COM A LÍNGUA!!!



A LÍNGUA-PROBLEMA
Duas moças conversavam no ônibus:
- Tou com um “poblema”.
- Peraí, um “poblema” ou um “pobrema”?
- Não é a mesma coisa?
- Poblema é de matemática, ensinam na escola. Pobrema é em casa.
O marido bebe, bate na gente ...
Contaram-me isso como fato verídico, mas tem jeito de piada. Pouco
importa. No diálogo, nada inverossímil, alguém verá o retrato tragicômico de uma população iletrada.
Pode ser. Mas não é tudo. Ha algo de genial na cena. Perspicácia e sutileza se juntam, na contramão da gramática, para expressar fino discernimento. A segunda moça nos diz, a seu modo, que questões abstratas do mundo culto (poblemas) nada tem a ver com dramas cotidianos (pobremas). Exigem, portanto, palavras diferentes. Seria generalização grosseira colocar esses conceitos sob o mesmo guarda-chuva, a palavra oficial, “problema”.
A intimidade com a vida real revela nuances e, claro, estimula a diversidade semântica.
Povos berberes, com sua imemorial convivência com o camelo, dão nomes distintos a cada pata do animal. É assim que funciona. Pouco importa se essa diversidade semântica, de início,se expresse por infrações a gramática. Deturpações e corruptelas com o tempo são assimiladas, se fizerem sentido.
Perai, “poblema” ou “pobrema”?
Eis a questão. Se aprendêssemos a perceber a diferença, talvez fôssemos mais felizes.
Muito do que nos atormenta existe só no plano imaginário, como era, para os homens da
Idade Média, a iminência do fim do mundo. Um mero poblema. Sem lastro no cotidiano.
A diferenca entre “poblema” e “pobrema” talvez seja um dia definida no Houaiss ou no
Aurélio. Se e quando o vocabulário-raiz, “problema”, cair em desuso. Será lembrado em
afetados textos jurídicos e na bula de pomada Minancora. Pode acontecer. Menos provável será que os burocratas da língua desistam de unificar o português de gente de diferentes climas e fusos horários, nas mais diferentes situações. Reforma boa, mesmo, não é a ortográfica, mas a que começa no bairro. Pena que não prestem atenção no que as moças dizem. Esse e o “pobrema”.

Fonte: MODERNELL, R. Revista Língua Portuguesa – Ano 4, No 49, Novembro de 2009, p. 53. Texto adaptado.

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