É nas atitudes simples e pequenas, antes
que nas grandes e visíveis, que por vezes reconhecemos o valor dos mortais.
Josélia Coringa
No início
da década 60 o modelo de escola vigente ainda era a Escola Isolada antecedente
aos Grupos Escolares, esse modelo acolhia a população tanto do meio rural
quanto do meio urbano. As Escolas Isoladas, segundo Bittencourt, eram chamadas
de “escolas populares e atendiam a uma população bastante diversificada que
incluía alunos de cursos noturnos, tanto das áreas rurais quanto urbanas (...)” Na nossa cidade não era
diferente. Havia as escolas isoladas geridas pelo estado e as escolinhas que
funcionavam na residência de professoras em algumas comunidades, geridas pela
gestão municipal.
As
Escolas Isoladas só possuíam uma série. O ensino dessa série, na maioria das
vezes, era ministrado na casa da professora, que funcionava sem material didático, cada aluno levava seu caderno para
que a mesma escrevesse as atividades. Os
principais recursos de apoio ao professor eram a cartilha de ABC e a tabuada
por sinal os livros fundamentais da época. Na maioria das vezes os alunos
também precisavam levar seus tamboretes para assistirem as aulas no alpendre ou
na sala das casas das professoras. Assim construía-se a aprendizagem, crianças
eram alfabetizadas, quando mereciam ficavam de castigo e tomavam palmatórias
nas mãos. Os valores cravados eram muitos, a professora era respeitada como a
segunda mãe até porque disponibilizava seu espaço familiar para servir aos seus
alunos.
Dessa
forma, o primeiro grupo que viesse a ser fundado na localidade em que a mesma
se encontrava era feita a transferência
para nova sede. Foi assim que brotou a princesa.
Antônia Neta de
Andrade, vizinha do Sr. Francisco Santana, foi pioneira da educação na nossa
escola. A casa que morava era uma construção bastante antiga, do tempo dos
escravos, ainda feita de sapé e barro nas imediações da escola atual. Foi na
mesma que nasceu a Princesa Isabel, por volta de 1964 Dona Antônia, começou a
dar aulas em sua residência no governo de Rivadávia Alves Cabral, no ano
seguinte foi convidada pelo prefeito Valdemar Campielo Maresco a continuar suas
atividades de professora e ser remunerada pela prefeitura. Nessa época, tudo
era mais difícil, família grande, muitos filhos para criar e uma disposição
incansável. Além das atividades domésticas, seu dia a dia era bastante corrido,
ajudava as pessoas quando estavam enfermas, era uma espécie de enfermeira na
comunidade, tirava terços para defuntos e rezava novenas. Era um tanto letrada
e se destacava por seus feitos admiráveis, mulher de fibra, de pele negra e
coração grandioso.
Tinha como melhores
amigas Izabel Matias e Francisca Romana e uma ocupação que lhe dava prazer era
cuidar da família, casada com Olegário Andrade de Amaro com quem teve oito
filhos.
Certo dia recebe em
sua casa a visita da Senhora Zulmira Bezerra de Siqueira, mulher sábia e
respeitável na educação e política de Carnaubais, numa conversa formal sugere
nomear a escolinha da casa de “Princesa Isabel”, a partir de então a escola
seria registrada com esse nome, argumentando a mesma que Princesa Isabel
merecia ser homenageada pela sua atitude de assinar leis tão importantes para
história do país. Princesa Isabel Filha de D.Pedro II, foi a responsável pela assinatura da Lei Áurea,
que aboliu a escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888. Foi responsável
também pela assinatura da Lei do Ventre Livre (1871), que estabeleceu liberdade
aos filhos dos escravos a partir daquela data. Mas como diz: Mércio
Franklin
A luta não acabou,
temos que difundir a ideia da consciência negra na sociedade para que tenhamos
um estado tolerante onde prevaleça a igualdade racial, sem preconceitos.
É possível que Zulmira Bezerra de
Siqueira profunda de conhecimentos e desnudada de preconceitos, quis enaltecer
igualmente a Senhora Antônia Neta de Andrade, professora alfabetizadora,
dando-lhe oportunidade de ser uma mulher reconhecida pelos seus feitos
independente da cor da pele. Já que o preconceito era tão exagerado naquela
época.
Anos mais tarde acometida por um
grave problema pulmonar, Dona Antônia viaja pela primeira vez a Natal para
tratamentos de saúde e dessa viagem não voltou, faleceu em 24 de julho 1969,
como seus familiares eram muito pobres não tiveram condições de fazer o
translado do seu corpo para sepultamento aqui na nossa cidade, pessoas
conhecidas, tomaram conta do velório e a enterraram em um cemitério na capital,
deixando seus filhos e demais familiares apenas com lembrança e dor por sua
partida. Por
um momento, foi como se o mundo tivesse parado, todos ficaram atordoados com o
acontecimento.
Depois
disso, seu Olegário Amaro de Andrade viu-se numa situação ainda pior, pois a
renda que entrava em casa encurtou e eram muitos filhos para criar sozinho, foi
então que numa reunião política Dr. Edgar Montenegro, Astério Barbosa Tinoco e
Zulmira Bezerra decidiram ajudar a família Olegário Andrade, passando para sua
filha Maria de Lourdes Olegário o cargo de professora, e aos 15 anos, ainda na
sua fase adolescente ela começa a desapontar como alfabetizadora na sua humilde
casinha de taipa. "Aprendi o
ofício com minha mãe, uma mulher que trabalhava dia e noite para sustentar a
casa, junto com meu pai." Ao descrever
traços da sua trajetória ela se
emocionou e por instantes parou...O que mais lamento é não ter tido a oportunidade
de ver minha mãe pela última vez, tampouco visitar o lugar onde foi
enterrada...”
Em 1971 começa a construção do
grupo escolar, próximo a sua residência, mas a instituição foi autorizada a
funcionar em 02 de fevereiro de 1972, quando houve a transferência da escola da
casa de taipa “Princesa Isabel” para o novo prédio, inaugurado no ano seguinte
1973. O governo da época era Valdemar Campielo Maresco e o seu vice Sr. Manoel
Alves do Nascimento. Até a presente data, Infelizmente não sabemos sobre o
Decreto de Lei que a instituiu. Essas informações são frutos de relatos orais.
Sabemos, portanto que Dona Antônia e Lourdes Olegário, foram às desbravadoras
da história, merecem todas as homenagens e de forma justa, também que se
registre o aniversário da nossa instituição dia 13 de maio, em menção a essas
mulheres que marcaram com caneta de ouro a educação de Carnaubais, em especial
da comunidade Entroncamento.
"É fundamental preservar a memória
daqueles que não têm lugar nos manuais de história, salvaguardar os seus
testemunhos e depoimentos", disse o filósofo alemão Walter Benjamin
(1892-1940), que defendia, como ele próprio chamava, a "história dos
vencidos". Ou dos excluídos. Onde mais a experiência de vida e a
contribuição para comunidade de duas professoras poderiam ser conhecidas senão entre
seus familiares e amigos?
Texto escrito por Josélia Coringa para o PPP da Escola Princesa em outubro de 2014.
Gestão: Ruan Carlos
Nenhum comentário:
Postar um comentário