domingo, 21 de junho de 2015

O MITO DO “BOM ALUNO” e DO MAU ALUNO


O MITO DO “BOM ALUNO”

A legislação brasileira estabelece que a educação é dever do Estado e da família e visa à formação do indivíduo, à preparação para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho. Quer dizer, escola e família são igualmente responsáveis tanto pela construção do conhecimento, quanto pelo compartilhamento dos valores e princípios normativos das relações sociais estabelecidas entre os indivíduos e a coletividade, ou seja: ética, cidadania, alteridade, solidariedade, cooperação, tolerância, respeito às diferenças…
Os alunos disciplinados, sociáveis e os que conquistam boas notas (porque são estudiosos, atenciosos, participativos) são considerados bons alunos e, por isso, não causam preocupação aos pais e professores, sobretudo porque emitem exatamente o comportamento que deles se espera. São crianças que não dão trabalho.
Algumas vezes, “bons alunos”, quietinhos, que não perturbam a aula e são obedientes, que tiram boas notas e são “exemplares”, na verdade são tímidos, ansiosos, têm baixa autoestima e são assustados diante de tudo o que possa representar autoridade e dever. Muitos têm saúde frágil, apresentam problemas respiratórios ou digestivos, são alérgicos, sofrem de dores de cabeça ou distúrbios de sono, roem unhas, têm algum tipo de comportamento que revela o quanto se sentem reprimidos (ou oprimidos pelo medo) para expressar seu ser essencial. Enfim, têm a agressividade represada, acumulada, velada. Em suma, são como um vulcão prestes a entrar em erupção, esparramando lava por todo lado, a qualquer momento. Evidentemente, nem todo “bom aluno” é assim, mas os que são, emitem, sim, sinais de que alguma coisa não está bem, não está em harmonia.
Na outra ponta do espectro comportamental, há o aluno problemático, indisciplinado, que não para quieto, atrapalhado, que perturba a aula, não respeita as regras, que expressa sua agressividade e sua frustração, enfim, que dá um trabalhão danado e, por isso mesmo, chama a atenção dos educadores e da família e, dependendo do comprometimento da escola e da família, recebe os cuidados necessários para aprender a ser quem é e a lidar consigo e com os outros de um modo mais inteiro.
Então, o que nós, educadores e familiares (ou amigos) de crianças em geral devemos ter em mente – e a escola, principalmente, por força da formação profissional de seus quadros – é o que o mito do “bom aluno” precisa ser desconstruído, em favor da compreensão de que o desejo de aceitação, a insegurança, a frustração, o medo, a ansiedade podem, sim, estar velados sob um comportamento aceitável, dócil, amável.
Nem sempre o silêncio e a introspecção significam quietude e harmonia interior. Muitas vezes, ao contrário, o silêncio e a introspecção significam a inquietude que fervilha internamente e que se fortalece calada na solidão da criança que não se manifesta, que não compartilha, que não expressa sua dor nem seu sofrimento e que, de repente (aos olhos do observador), corrosivamente enfraquecida pela falta de poder para mudar o que a oprime...

O MITO DO MAU ALUNO

Quando se fala de pessoas, as generalizações podem levar a preconceitos, mitos e crenças que nem sempre se verificam na realidade e isto é exatamente o que acontece quando o assunto é o “mau aluno”, sobretudo porque o conjunto de características que definem o “mau aluno” é muito amplo.
Antes de começar, uma consideração: alunos são pessoas e, então, tomar alguém por um “mau aluno” significa tomá-lo por uma pessoa que não é boa. É preciso, então, que se tenha muito cuidado ao se definir alguém como um aluno “bom” ou “mau”, sobretudo porque, em quaisquer dos dois casos, fazê-lo significa julgar o outro, sentenciá-lo a uma vida de êxitos ou de fracassos que, muitas vezes, estão, sim, ligados a esses julgamentos.
De modo geral, espera-se os “bons alunos” sejam pessoas bem sucedidas, competentes em suas profissões, que alcancem altos postos em suas carreiras, que sua inteligência abra-lhe as portas e que sua estrada seja mais tranquila. Ao mesmo tempo, geralmente se projeta que o “mau aluno” seja um perdedor, que tenha empregos “menores”, baixos salários, carreiras de poucas oportunidades de crescimento, muitas dificuldades para percorrer seus caminhos. Mas isso nem sempre é assim (de novo, vale lembrar que as generalizações são perigosas) e uma prova disto é que há “bons alunos” de inteligência apenas mediana, assim como há “maus alunos” intelectualmente brilhantes.
Os considerados “maus alunos”, geralmente são pessoas que não gostam de estudar, não fazem as tarefas, não participam das aulas, não demonstram entusiasmo pelas atividades escolares e, por isso, tendem a tirar notas ruins. Acontece que, na maioria das vezes, esses alunos não gostam da escola, acham a aula desinteressante, não se sentem motivados a aprender, porque não foram conquistados, não foram seduzidos, para a grande aventura do conhecimento. Muitos vão à escola porque são obrigados a ir, o que é enfadonho.
Na maioria das vezes, esses alunos são rejeitados, porque representam o diferente que incomoda os iguais, quer dizer, seu comportamento desajustado, além de revelar seu descontentamento e sua frustração, perturba e desorganiza a ordem. Então, os “maus alunos” (em conflito com as regras), apartam-se “bons”, unem-se e formam uma força de ataque e resistência ao sistema.
Mas, a bagunça, a indisciplina, as atitudes rebeldes de confronto (que podem ser bem agressivas) podem ser apenas uma forma de chamar a atenção dos professores (e de seus pais, também), porque esses “maus alunos” querem apenas existir, querem apenas ser e, no fundo, desejam que a escola seja mais interessante e que os acolha com são.
Como se sabe, as pessoas não são iguais e parece irônico que a mesma escola que ensina o respeito mútuo e a tolerância às diferenças não consiga lidar com aqueles que não se adaptam ao sistema, que se insurgem contra ele, que o questionam. Em vez de procurar compreendê-los e cativá-los para buscar formas de integrá-los, muitas escolas, em suas medidas disciplinadoras, alimentam e fortalecem essa resistência.
Desse modo, os “maus alunos” não demoram a entrar em contato com a frustração, aprendem que não pertencem. Embora seja função da escola formar a pessoa, prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho, logo cedo esses alunos descobrem que a escola tende muito mais a formatar do que a formar a pessoa. Acredite quem quiser, há pais e educadores que defendem que é exatamente assim que deve ser.
Alunos são pessoas que têm família e a família compartilha valores, princípios, crenças, atitudes, estabelecem relações que chegam à escola pelo comportamento das pessoas que participam da comunidade escolar. Acontece que há alunos que, em casa, não aprendem coisas simples como cortesia, solidariedade, respeito, tolerância, o que, por sua vez, é expresso no espaço escolar de forma muito clara e, às vezes, violenta. Há alunos cujos pais incentivam o desrespeito às regras, outros parecem ignorar que, no fundo, seus filhos estão pedindo ajuda e, também, há aqueles que fazem questão de compartilhar seus preconceitos e sua intolerância com seus filhos que, por sua vez, agem de forma preconceituosa e intolerante na escola, praticando o tão comentado “bullying”.
Os “maus alunos” são custosos, difíceis, dão um trabalhão danado, representando um grande desafio para o professor, sobretudo para os que preferem agir apenas dentro de sua zona de conforto, o que, em educação, pode ser um desastre.
Dentro da zona de conforto podemos exercer algum controle sobre o que nos acontece e, claro, agir até onde o braço alcança é mais fácil do que ter que se levantar e ir buscar o que está distante. Por isso, em vez de assumir o próprio comodismo, alguns professores transferem para o outro as causas do seu fracasso como educador. Parece que alguns esquecem que uma das funções do educador é formar pessoas e, nesse particular, isso só é possível quando se compreende que educar é um ato de amor e exige generosidade, afeto, partilha, tolerância, bem-querer, compreensão, acolhimento, envolvimento, compromisso…
Não se deve esquecer que professores são pessoas como as outras: imperfeitas e falíveis. Muitos professores não estão preparados para lidar com o comportamento transgressor, nem são internamente estruturados para isso e, ainda, há aqueles que acreditam e defendem que não têm obrigação nenhuma de ensinar coisas básicas a pessoas que não recebem educação em casa. Na verdade, em co-responsabilidade com a família, cabe à escola preparar a pessoa para o exercício da cidadania, o que supõe aprender a relacionar-se com o outro e com as normas que regem as relações entre as pessoas, ou seja, entre o indivíduo e a sociedade, o que inclui coisas como disciplina, comprometimento, respeito (aos outros e às regras estabelecidas pela coletividade), que, por sua vez, são alguns dos alicerces da democracia que nos garante muitos direito, mas não coloca, também, vários deveres. O problema é que “disciplina”, “comprometimento” e “respeito” estão equivocadamente associados à repressão da liberdade e, nos dias atuais, é impressionante a quantidade de pessoas que simplesmente ignora o outro, agindo como se o mundo tivesse sido feito unicamente para sua conveniência.
Mas, o “mau aluno” também pode ter algumas características muito interessantes: coragem bastante para deixar bem claro o que pensa e como se sente, criatividade suficiente para demonstrar isso das formas as mais variadas, liderança necessária para ser seguido por outros alunos, entre outros talentos que ficam ofuscados pelo comportamento que não ajusta aos padrões de “normalidade”. Então, essas características não são notadas e, por isso, não são exploradas de modo construtivo, embora ampliar esses potenciais seja, sim, função da escola.
Na verdade, como qualquer pessoa, o “mau aluno” quer pertencer, mas nem sempre sabe exatamente como fazê-lo, já que é diferente do que se considera “bom aluno”. Acontece que nós temos a tendência de tornar verdade o que dizem de nós, porque o que ouvimos sobre nós vai entrando em nossa mente, cria raízes, galhos, até que frutifica, ou seja, manifesta-se como verdade… Então, com sua autoestima bombardeada de críticas, o aluno que não se enquadra no padrão do “bom aluno” torna-se “mau aluno”, agindo de acordo com a sentença recebida, por não ser como os outros determinaram que fosse…
Por isso, antes de determinar que alguém é “mau aluno”, é importante que tenhamos em mente algo muito simples: a pessoa que é respeitada como um ser único, que é reconhecida e valorizada, que se sente acolhida e integrada, é, sim, capaz de ir além de seus limites e pode surpreender, em seu êxito, muitos que a consideravam fadada ao fracasso.

Este artigo foi escrito por Marcia Godoy dos Santos Psicopedagoga e Professora de ensino superior.